sexta-feira, 31 de julho de 2009

Voar...

Para quem não sabe, trabalhei pouco mais de 8 anos na aviação... de aeroporto a comissária de bordo...Hoje acordei com uma saudade inimaginável, inesperável, inexplicável da aviação... mas não foi uma saudade ruim, foi uma, na verdade está sendo, uma saudade indolor. Acordei sentindo falta de sentir saudades! Incrível! Senti saudades de sentir saudades de casa, dos meus bichos, da minha cama, das minhas coisas, dos meus cheiros caseiros. Estou sentindo saudades de "morar na mala", saudades da correria, de cada dia estar em um lugar diferente. Saudades de acordar em Porto Alegre, e dormir em Manaus (no mesmo dia!). Saudades de passear sozinha (sempre estava sozinha... considerava minhas tripulações "anêmicas", nada entusiasmadas, sempre querendo economizar o almoço para o jantar...) pelas ruas de Buenos Aires, de Fortaleza, de Natal, de Santa Cruz de la Sierra. Saudades do calor infernal de Belém e de Manaus, do frio insuportável de doer os ossos de Porto Alegre, saudades da simpatia do povo de Aracajú, e da grosseria do povo candango. Saudades dos comandantes estúpidos ou não, saudades do povo da limpeza sempre com um lindo sorriso do rosto, sempre bem-humorados, mesmo limpando a merda dos banheiros dos aviões.Saudades do 737-300, que era uma merda voar. Saudades da ponte aérea, e saudades até de chegar de mau-humor em São Paulo e enfrentar o trânsito insuportável de Congonhas a Guarulhos. Estranhamente sinto falta de não ter amigos dentro dos vôos, sinto saudades de levar meus livros debaixo do braço para ler durante as decolagens e os pousos (não deixa a chefia ler isso!!! é esporro na certa!), saudades dos passageiros chatos, dos "marinheiros de primeira viagem", das crianças chatas e dos que sempre passavam mal. Sinto saudades de ter um 737-800 lotado até o tal0, com vôos de 30 minutos, correria total para fazer o serviço de bordo e verificação dos equipamentos.Saudades das enjoativas barrinhas de cereal e das goiabinhas.Saudades de fazer o speech e a demonstração:"Senhores passageiros, boa tarde. Sejam bem-vindo a bordo do vôo XXXX com destino a YYY. Durante a decolagem o encosto de sua poltrona deverá estar na posição vertical, sua mesa fechada e travada.
Em caso de despressurização, máscaras de oxigênio cairão automaticamente. Puxe uma máscara para liberar o fluxo e coloque-a sobre o nariz e a boca. Ajuste o elástico à volta da cabeça e respire normalmente. Se estiver acompanhado de uma criança ou alguém que necessite de ajuda, coloque a sua máscara primeiro para em seguida ajudá-lo.
Os cintos deverão estar afivelados sempre que o sinal estiver aceso ou enquanto permanecerem sentados. Para afivelar o seu cinto de segurança, una as pontas, puxe a lateral para ajustar, para soltar, levante a parte superior da fivela."
Enfim, sinto saudades de tudo! Até dos momentos de estresse. Até das pessoas idiotas, colegas de profissão ou passageiros. Sinto falta do frio na barriga, sinto falta de não saber aonde estarei amanhã (literalmente!). Sinto falta de entrar na internet e clicar "atualizar" de 10 em 10 segundos para saber se a escala quinzenal saiu. Sinto falta de xingar TUDO quando tinha que pernoitar em Juazeiro do Norte, Boa Vista ou Campo Grande.
Saudades mesmo eu sinto de chegar em casa e perceber que tenho casa. De dar valor depois de uma longa semana fora de casa. Sinto falta de fazer a mala, de abraçar meus bichos antes de partir, e de amassá-los ao voltar. Sinto falta de mandar mensagem de celular avisando que cheguei bem e que voltarei em breve.
Foi uma parte essencial, muito importante na minha vida. Fez parte do meu crescimento pessoal, profissional e familiar também. Sinto-me mais humana após esses 8 anos. Sinto-me mais capaz, conheço-me melhor, embora ainda não saiba o que realmente quero da vida. Aprendi, cresci, amadureci.
A verdade é que aprendi a sentir falta de sentir saudades. E isso não tem preço.
Obrigada aviação, por ter me tornado alguém melhor. Saudades sempre.

Um comentário:

  1. Eh linda, depois de quase 20 anos no Rio, ja somos cariocas e nem percebemos... nao temos mais essa de mudar mais de 3 em 3 anos...
    E eh isso que vc esta sentindo agora, a mesa coisa que sentimos qdo percebemos que o Rio ia ser nosso pouso final por mtos anos...
    E isso nao eh ruim, nem bom - eh a vida, que nos leva. E nos temos que saber dar rumo a ela.
    TE AMO!
    We, Wii ou Oui!

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